14 março, 2010

Santa sabedoria

Até ontem refratária à internet, já tenho até comunidade. É de lá que a carioquíssima Maria Lúcia me cutuca para que eu saia da preguiça e ponha o "verdinho" a funcionar, começando por coisas e gente de Guapiaçu. Esta eu mato com uma só cajadada, basta falar na "mulher do cabo", a dona Santa. Que virou amiga da família assim que trocamos a capital regional, São José do Rio Preto, por esse "ramal" aqui.
Santa era "sacudida", fortes braços, peitos que acalentam o mundo. Pau pra qualquer obra. Na varanda adaptou uma fabriqueta de mandioca, pra ajudar a tocar a vidinha humilde (militar já devia ser mal-remunerado naqueles anos de ditadura). O microempresariado fundo de quintal não a impedia de receber a gente com calor humano, sorriso largo e disposição pra papear - sobre qualquer coisa, era mente aberta.
Um belo dia, novidade. No terreno da esquina instala-se um circo que tinha como atração principal um professor-hipnotizador. O "astro" e sua mulher alugam casa bem na frente da de Santa, banheiro pra fora, porta com fechadura quebrada. Os "anjinhos" da Santa descobrem e se deliciam a buraquear os banhos da nova moradora, até que o circense lhes dá um flagra. Santa ouve berros, sai pra rua e o homem grita para que ela "dê um jeito nesses moleques, senão vai ver só o que vou fazer".
Santa pega os dois pelas camisas, leva pra perto do homem: "Vai fazer o quê? Então faça, se tiver coragem". O valentão corre pra dentro da casa e volta com um revólver na mão. A essa altura, a rua tranquila já tinha expectadores.
Santa manda que os filhos entrem e parte para o confronto: "Tá pensando que tenho medo disso aí? Tem vários em casa e minha mãe me acordava com um desses na mão. Te dou um minuto. Se não sumir com esse troço da minha frente, eu vou tomar de você e adivinhe o que vou fazer". O homem achou melhor obedecer.
Certa noite, Santa acorda com gritos terríveis. Dá uma cotovelada mas não encontra o marido. O fuzuê era porque o vizinho o surpreendera com sua mulher e queria matá-la. A danada só se safou porque Santa a recolheu em casa. Ao ouvir a história, minha mãe diz que mulher nenhuma salvaria a "outra", ela era santa não só no nome.
Na maior naturalidade, Santa explica: "Ué, Geisha, tá certo que ela tava com meu marido, né, mas nem por isso precisa morrer, coitadinha!"
Tantos códigos, tantos tratados, tantas jurisprudências, e raro ver a aplicação correta da Justiça. Balança que Santa manipulava com facilidade, sendo quase analfabeta.
Quase analfabeta e totalmente sábia.

P.S. - Santa só não venceu o câncer, que a levou em 88, em São Paulo. Por sorte, eu estava na Argentina. Despedir de quem foi mãe por afeto e afinidade deve aumentar a dor da perda. Mas como ela mesma dizia diante da mais dramática situação, "a gente encara". Santa.

4 comentários:

  1. Santa Santa!
    Na hora de uma grande confusão,Santa nascia de novo e se ensinava a viver,ali na hora!
    Geysa,valeu pedir-lhe muito:coisas e gente de Guapiaçu.
    Ganhei uma vida-lição e muitas lições de vida,deixadas por uma alma bonita na sua bonita alma.
    Ficou aquele gosto de quero mais!
    Maria Lucia

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  2. Não lhe achei no meu blog. mas achei o seu!

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  3. Oi lindona, passei aqui pra dar um oi...

    Parabéns pelo Blog

    Fred Campos

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  4. Não me esqueço Gê, nos meus infortúnios exatamente do " a gente tem que encarar, fazer o quê?" da Santa. Vamos lá, quero mais posts, isso aqui tá muito bom, isso aqui tá bom demais....rs..bjka da sua mana. Silvia

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