26 março, 2010

A realeza e a vida noturna de Sampa

Aproveito a mais recente visita de nossa rainha Sílvia da Suécia e o Rei Gustavo e transcrevo crônica publicada no jornal Realidade em abril de 2002:

Era rico e bonitão, presidente de um dos maiores grupos de minérios do País. Mas muito chato. Nem a Mercedes branca com motorista alinhadérrimo conseguia fazer dele uma companhia agradável. Levou-nos à discoteca da moda, Ta Matete, em São Paulo, para seu amigo matar saudades do Brasil, residia há tempos nos Estados Unidos.
No dia seguinte lá vem ele, querendo arrastar a gente pro mesmo lugar. Além de chato, sofria de falta de imaginação. Insistimos para que nos levasse ao Via Brazil (com z mesmo), casa da melhor música brasileira ao vivo. Poxa, música tecno, em inglês, seu amigo tá cansado de curtir lá nos States, dizíamos. O chato só sabia retrucar que "lá não era ambiente".
Ué, eu pensava, todas as vezes que fui, encontrei o Chiquinho Scarpa e sua troupe. O que será que esse cara viu de mal no lugar?
Conseguimos vencer a resistência do metido, mas ele se fechou em copas, fez cara feia, foi bem desagradável. Nem demos bola, tratamos de dançar à volta das mesas, o som tava o máximo! A certa altura, uma loura foi conversar com nosso anfitrião e, ao se ver livre, ele diz: "Não falei que aqui não é ambiente?"
"Não vi nada de mais nela. Só se você a conhece de algum local proibido. Aliás, as mulheres que estão aqui, pra mim, são todas distintas senhoras", respondi.
De repente, irrompem os seguranças no salão e começam a ajeitar mesas para um cliente. Devia ser algum figurão até mais importante que o Chiquinho, pra provocar tamanho rebuliço.
E como era! Ninguém menos que o rei Gustavo da Suécia com sua rainha Sílvia e comitiva. Sílvia é a brasileira, mas o rei levava mais jeito no samba.
Não preciso dizer com que cara ficou o chato ao meu lado. Deu até dó, mas não contive a observação: "Que esquisito, aqui não é ambiente pra nós, mas é para o rei Gustavo e a rainha Sílvia?"
Também não preciso dizer que o cara sumiu, nunca mais estacionou sua Mercedes em minha porta. Achei ótimo.

14 março, 2010

Santa sabedoria

Até ontem refratária à internet, já tenho até comunidade. É de lá que a carioquíssima Maria Lúcia me cutuca para que eu saia da preguiça e ponha o "verdinho" a funcionar, começando por coisas e gente de Guapiaçu. Esta eu mato com uma só cajadada, basta falar na "mulher do cabo", a dona Santa. Que virou amiga da família assim que trocamos a capital regional, São José do Rio Preto, por esse "ramal" aqui.
Santa era "sacudida", fortes braços, peitos que acalentam o mundo. Pau pra qualquer obra. Na varanda adaptou uma fabriqueta de mandioca, pra ajudar a tocar a vidinha humilde (militar já devia ser mal-remunerado naqueles anos de ditadura). O microempresariado fundo de quintal não a impedia de receber a gente com calor humano, sorriso largo e disposição pra papear - sobre qualquer coisa, era mente aberta.
Um belo dia, novidade. No terreno da esquina instala-se um circo que tinha como atração principal um professor-hipnotizador. O "astro" e sua mulher alugam casa bem na frente da de Santa, banheiro pra fora, porta com fechadura quebrada. Os "anjinhos" da Santa descobrem e se deliciam a buraquear os banhos da nova moradora, até que o circense lhes dá um flagra. Santa ouve berros, sai pra rua e o homem grita para que ela "dê um jeito nesses moleques, senão vai ver só o que vou fazer".
Santa pega os dois pelas camisas, leva pra perto do homem: "Vai fazer o quê? Então faça, se tiver coragem". O valentão corre pra dentro da casa e volta com um revólver na mão. A essa altura, a rua tranquila já tinha expectadores.
Santa manda que os filhos entrem e parte para o confronto: "Tá pensando que tenho medo disso aí? Tem vários em casa e minha mãe me acordava com um desses na mão. Te dou um minuto. Se não sumir com esse troço da minha frente, eu vou tomar de você e adivinhe o que vou fazer". O homem achou melhor obedecer.
Certa noite, Santa acorda com gritos terríveis. Dá uma cotovelada mas não encontra o marido. O fuzuê era porque o vizinho o surpreendera com sua mulher e queria matá-la. A danada só se safou porque Santa a recolheu em casa. Ao ouvir a história, minha mãe diz que mulher nenhuma salvaria a "outra", ela era santa não só no nome.
Na maior naturalidade, Santa explica: "Ué, Geisha, tá certo que ela tava com meu marido, né, mas nem por isso precisa morrer, coitadinha!"
Tantos códigos, tantos tratados, tantas jurisprudências, e raro ver a aplicação correta da Justiça. Balança que Santa manipulava com facilidade, sendo quase analfabeta.
Quase analfabeta e totalmente sábia.

P.S. - Santa só não venceu o câncer, que a levou em 88, em São Paulo. Por sorte, eu estava na Argentina. Despedir de quem foi mãe por afeto e afinidade deve aumentar a dor da perda. Mas como ela mesma dizia diante da mais dramática situação, "a gente encara". Santa.

06 março, 2010

Olha o Cara aqui, gente!
























Nessa eu cheguei tarde, o presidente-orgulho dos brasileiros já havia passado por aqui quase uma década antes. Esta foto foi destaque em outubro de 2003.
Era ano da estreia de Lula ao comando da gigantesca nau brasileira e eu ainda conseguia manter meu barquinho em movimento, remando contra as águas revoltas do tucanato local. O Realidade, distribuição gratuita e circulação mensal, não tinha o ineditismo da notícia, como todo pequeno jornal de interior - salvo se o fato eclodia quando estava prestes a ir para a gráfica. Reportagens, entrevistas, colunas e retrospectiva dos acontecimentos - tanto daqui quanto desse mundão afora -, eram compensados com comentário. Jornalismo opinativo, vibrante e de ouvido colado no povo, para não lesar a Verdade. E conseguimos.
O que nos dá essa certeza é que, nos seus cinco anos de funcionamento, não caímos na simpatia dos políticos, tanto governistas quanto de oposição. Sempre tiveram "um pé atrás" conosco e nunca hesitaram em colocar seus pés à nossa frente, para nos dar rasteira. Tanto colocaram que fomos ao chão. Nossos anunciantes debandaram, para não terem prejudicadas suas relações com a prefeitura, e os poucos corajosos a permanecer no barco não geravam receita à altura das despesas. Levamos no vermelho por bom tempo, até que demos um brake para não atolar ainda mais em dívidas.
De vez em quando vou reproduzir alguma coisa , para que os visitantes deste blog tenham ideia da asfixia imposta a quem ousa contrariar a democradura.
Mais tem Deus pra dar, que o diabo pra tomar. Descobri a internet e tô aqui, palpitando e feliz da vida.